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Serra da Capivara (PI) – A Origem do Homem Americano

Ficha 4×1:

Data: 22/06/2012 a 24/06/2012

Saímos de: Petrolina-PE

Destino: São Raimundo Nonato-PI

Distância: 315 km

Tempo de viagem: quase 5 horas*

Trajeto: *O tempo de trajeto está relacionado à nossa escolha pelo caminho de estradas principais. Ou seja, seguimos pela BR-235 passando por Remanso (BA) até a divisa com o Piaui continuando pela BR-324 até São Raimundo. Estas, por serem BRs e, portanto, principais troncos rodoviários do país, deveriam estar em melhores condições. No entanto, o trecho da BR-235 de remanso à divisa BA/PI é horroroso (!!) e foi eleito pela Guia 4 Rodas como a pior estrada do país. Assim, recomendamos para quem for de Petrolina para lá, seguir por um caminho um pouco maior, mas segundo diversas pessoas, melhor transitável: Sair de Petrolina pela BR-407 sentido Afrânio e logo após essa cidade apanhar a PI-459 direto para São Raimundo. Aumenta-se aproximadamente 128km, mas ganha-se em tempo e qualidade do trajeto!

Onde dormimos: Estacionamento do Hotel Serra da Capivara

O que comemos de diferente: Caldo de carne com macaxeira na praça principal.

Pneu cheio: O trabalho da Dr. Niède Guidon no Museu do Homem Americano e no Parque Nacional Serra da Capivara é de dar orgulho a qualquer brasileiro!!!

Pneu murcho: A corrupção e o descaso de ambos os governos, Estadual e Federal, com um trabalho de tamanha importância para a comunidade científica internacional.

“Ao som de cigarras penetramos por entre a seca da caatinga arbustiva, onde verdes juazeiros se mesclavam aos mandacarus e a folhas pálidas e avermelhadas na entrada do parque nacional da Serra da Capivara. Na crença popular, o canto da cigarra aponta que a seca permanecerá; já o mandacaru, com seus “braços” abertos como Cristo na cruz, representa a penitência do sertanejo, que fora destinado por Deus a nascer e viver naquela região. E, assim, sem sabermos, estávamos prestes a testemunhar a maior descoberta arqueológica sobre a origem do homem americano, em pleno Sertão Piauiense”.

À medida que avançávamos no Piauí, a abundância que vimos em Petrolina se perdia sertão adentro. Rios secos e vegetação sem folhas acompanhavam nosso trajeto, enquanto o cheiro de carniça se misturava à brisa com frequência. O forte calor castigava quando chegamos ao pequeno município de São Raimundo Nonato. A cidade foi uma sugestão que recebemos quando conversávamos sobre nosso roteiro em direção ao norte com alguns companheiros de viagem em Petrolina.

São Raimundo Nonato é a porta de entrada da Serra da Capivara, fronteira natural que separa as bacias dos rios São Francisco e Parnaíba. A beleza dos montes, enaltecida pelo dourado da caatinga, esconde o maior parque arqueológico do mundo. Sim, o maior do mundo! Ele abriga cerca de 96 mil pinturas rupestres em uma área de 129 mil hectares (quase tão grande quanto à cidade de São Paulo – que conta com 152 mil ha) e um perímetro de 214 km. Não tínhamos ideia da magnitude e da importância do que estávamos prestes a conhecer.

Assim que chegamos, fomos direto ao Museu do Homem Americano, onde poderíamos ter uma visão melhor do que conhecer em São Raimundo. O pessoal do museu foi bastante prestativo, especialmente a senhora da recepção.

Além de nos passar ótimas informações em relação aos atrativos turísticos da cidade, como o próprio museu e o Parque Nacional da Serra da Capivara, a simpática senhora nos indicou guias, hotéis e restaurantes e também nos contou sobre o trabalho de exploração arqueológica realizado na cidade.

Foi aí que ouvimos falar do grande trabalho realizado pela Dra. Niède Guidon e sua equipe na cidade. Além disso, apesar de a nossa visita não ter sido planejada, a Dra. nos recebeu, dando-nos o privilégio de conversar com ela pessoalmente e conhecer melhor sua história (imagens dessa conversa no vídeo). A Dr. Niède é uma pessoa que dedicou grande parte de sua vida ao projeto arqueológico e turístico da Serra da Capivara. Rosa Trakalo (turismóloga uruguaia) e Anne-Marie Pessis (arqueóloga francesa) são seus “braços direitos”. Essa equipe transformou São Raimundo e a Serra da Capivara em um pólo de estudos, desenvolveu a região, estabeleceu um projeto turístico, batalhou (e continua batalhando muito) para que os governantes abram os olhos e percebam que a região tem potencial para se transformar em uma das maiores atrações turísticas do país.

A estrutura montada à custa de muito suor e esforço da equipe da Dra. Guidón impressiona MUITO. O Museu do Homem Americano tem uma fachada modesta; entretanto, uma vez dentro da sua estrutura, percebe-se que o museu não deixa nada a desejar em relação aos principais museus do país. Lá é apresentada ao turista a teoria alternativa relativa ao surgimento do homem no continente americano, elaborada pela Dra. Guidón. Ela procura refutar a teoria clássica de que o homem chegou à América ao cruzar o estreito de Bering (entre a Rússia e o Alasca), após terem vindo da África – a travessia teria sido possível devido ao congelamento do estreito durante a era glacial. De acordo com as suas pesquisas, vestígios encontrados no Parque Nacional da Serra da Capivara evidenciam que o homem veio à América após cruzar o Atlântico, há mais de 100 mil anos atrás.

Durante a visita é possível observar artefatos da era da pedra-lascada, urnas funerárias de 4 à 6 mil anos atrás, imagens das pinturas rupestres (projetadas em um enorme telão), um painel interativo que permite que o turista simule uma escavação arqueológica, adornos e ferramentas encontrados dentro de uma fogueira pré-histórica (de 10 mil anos atrás), entre outros. São diversas as evidências apresentadas, que dão credibilidade à hipótese da Dra. Guidón. Chama atenção também o fato do museu ser muito bem preparado para receber deficientes físicos (assim como muitos sítios arqueológicos dentro do parque)! Além disso, é triste notar que grande parte do investimento feito no parque, no museu e no instituto do Homem Americano teve que vir de países como o Japão e a França! Uma riqueza dessas deveria ter tido o seu valor reconhecido pelo governo brasileiro há muito tempo! Um exemplo do descaso do nosso país é a (não) construção do aeroporto de São Raimundo Nonato – a Dra. Guidón luta há 20 anos pela construção desse aeroporto, que já foi iniciada por diversas vezes, mas teve toda a verba desviada devido à corrupção escancarada dos governantes.

Apesar de todas as dificuldades que a Dra. encontra e da batalha anual para garantir verbas de pesquisa (uma vez que os recursos vem de contratos de curto prazo e não há um repasse federal perene), suas importantes pesquisas seguem em andamento e ela continua trabalhando em campo para encontrar evidencias adicionais que possam transformar sua hipótese em uma teoria amplamente aceita pela comunidade internacional.

No dia seguinte, acordamos cedo, tomamos um reforçado café-da-manhã no Hotel Serra da Capivara – que nos foi oferecido pelo Sr. Humberto, proprietário do hotel.

Em seguida partimos para explorar as riquezas arqueológicas do parque com o guia Raphael (geógrafo e profundo conhecedor de literatura, história e pinturas rupestres).

Ao chegar ao parque ficamos novamente surpresos com o que encontramos: trilhas muito bem sinalizadas, portarias estruturadas, organização do fluxo de turistas (para não tumultuar os pontos de visitação), preservação da fauna e da flora local, enfim, uma estrutura de dar orgulho!

Quando começamos a ver as primeiras pinturas rupestres ficamos com os olhos fixos, mudos, contemplando! A sensação era bastante diferente das que já havíamos experimentado: estávamos um lugar único no mundo, dentro do nosso país, com uma estrutura que nunca imaginaríamos encontrar no interior do Piauí, olhando para pinturas de 3 a 12 mil anos atrás, podendo observar indícios de uma teoria que muda o panorama da pré-história mundial, tendo aulas de história, cultura e geografia in loco era tudo muito inesperado e surpreendente! Não tinha como não ficarmos atônitos, foi uma experiência única e difícil de ser (d)escrita.

Apesar dos números expressivos, estima-se que apenas 5% dos sítios arqueológicos da região já tenham sido explorados. A Serra das Confusões, região vizinha à Serra da Capivara, possuí de 5 a 6 vezes o tamanho da cidade de São Paulo (840 mil ha) e imagina-se que ela abriga mais de 100 mil pinturas rupestres! Para desenvolver todo esse potencial da região, o primeiro curso de graduação em Arqueologia (do Brasil) surgiu na cidade de São Raimundo Nonato em 2004 – é oferecido pela UNIVASF (Universidade Federal do Vale do São Francisco). Entretanto, antes de sua criação, há aproximadamente 10 anos, 60 jovens de São Raimundo foram selecionados e treinados por uma especialista em conservação de sítios arqueológicos (que estudou na Sorbonne-Paris) para que as pinturas da Serra da Capivara fossem recuperadas e atingissem um bom nível de conservação a fim de que pudessem ter uma maior durabilidade. Hoje, muitos desses jovens trabalham para grandes empresas e estão pelo Brasil todo trabalhando em canteiros de obras que envolvem áreas de sítios arqueológicos. Eles se tornaram uma mão-de-obra altamente especializada! São Raimundo é realmente uma referência no panorama da arqueologia brasileira!

Vale ainda mencionar que, além do grande privilégio de conversar com a Dra. Niède, tivemos a sorte de estarmos em São Raimundo Nonato justamente durante as festividades dos 100 anos da cidade!! O centro da cidade estava bastante movimentado e era palco da competição de quadrilhas, que levou um grande número de pessoas às ruas para torcer pela associação do seu bairro. Foi outra experiência à parte!! (imagens no vídeo)

São Raimundo Nonato expandiu nosso horizonte em relação à riqueza que o nosso Brasil tem a oferecer nos seus quatro cantos. Mas ao mesmo tempo, nos lembrou de como a corrupção e o descaso ainda são fardos duramente carregados pelo nosso povo.

20 Comentários

  • Reportagem muito interessante. Apenas uma correção: o trecho que vai de Remanso-BA à divisa com o Piauí não é BR-235, é parte da BR-324, a mesma que sai de Salvador para Feira de Santana e segue até Jacobina-BA. A BR-235 segue para Campo Alegre de Lourdes-BA, numa bifurcação logo na saída de Remanso (à esquerda BR-235; à direita BR-324).

  • Sergio Montenegro Says

    Oi Gente,

    Parabéns pela descrição do passeio, a tempos que desejo conhecer a Serra da Capivara, mas tive que adiar por alguns anos, pois minhas princesas nasceram, mas neste ano devo ir, elas ja estão com 5 e 7 anos e acho que da para conhecer conosco esse paraíso. Vai pergunta para criança dessa idade tem como conhecer bem a região? O acesso a região é fácil precisa de carro utilitário? Mais uma vez parabéns pela reportagem.

  • Cíntia Says

    Vi o relato de vocês e estou querendo ir para lá este ano, será que poderiam me ajudar com algumas questões? Acham que o tempo que ficaram deu para ver basante coisa? Podem me passar o contato do guia por e-mail? Obrigada

    • 4x1
      4x1 Says

      Oi Cíntia! Que bom que está pensando em conhecer a Serra da Capivara!! Esse foi um dos lugares que mais nos impressionou até agora na viagem, esperamos que aproveite e goste muito de lá!!
      Sobre o tempo que ficamos lá, acreditamos que vale a pena ficar mais. Como a nossa visita foi rápida, acabamos deixando de ver muitas partes importantes do parque e, além disso, não pudemos visitar a Serra das Confusões, que é um parque ao lado e que possui milhares de pinturas rupestres também! Vale a pena ficar uns 3 ou 4 dias por lá, tem bastante coisa pra ver… e assim também não fica muito corrido, dá pra fazer as coisas com mais calma e absorver mais conteúdo também!
      Sobre o e-mail do guia, infelizmente não encontramos o contato. Mas, de qualquer forma, ao chegar lá em São Raimundo Nonato procure pelo Raphael, que é geógrafo, não são muitos guias, vai ser fácil encontrá-lo.
      Se tiver alguma outra dúvida ou se pudermos ajudar em algo mais é só avisar!!

      Abraços, Expedição 4×1.

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  • Roberta Says

    Incrível, pessoal! Pensar o quanto nós ainda temos para explorar em termos arqueológicos é fantástico. A riqueza dos sítios é espantosa… Muito legal este post!!
    bjaooo

  • Grace Says

    Sem dúvida a Serra da Capivara, o Museu do Homem Americano e a Dra. Niède Guidon são um exemplo incrível do potencial que o Brasil tem. Pena mesmo que não é valorizado da forma que gostaríamos!

  • Narayana Says

    Sensacional! Como pode tanta coisa por aí que a gente nem imagina que existe?!
    Amei i vídeo!
    beijos

  • TIA GEYZA Says

    vcs estão apredendo bastante e nos ensinanando tb, porque é mais fácil termos info de outros paises do que do nossso própio!!!
    bjs.

    • 4x1
      4x1 Says

      Realmente, Tia Geyza! Exatamente pela dificuldade de conseguirmos informação tentamos compartilhar as que conseguimos!! Bjos

  • Pingback: Teresina (PI) – História Inexplorada | 4×1

  • Luiza Guimaraes Says

    Adorei as informacoes! Que esperiencia fantastica! Deus continue guiando voces. Bjs

  • Romão Says

    Esta super legal o comentário da viagem, mas acho que poderia fazer uma Sinopse dos fatos mais interessantes em cima da materia completa.
    Minha sugestão seria que fizesse um Resumo para ler rapidinho e para que quiser e tivesse tempo leria a materia completa.

    Abraços

    • 4x1
      4x1 Says

      Obrigado pela sugestão, Romão. A ideia da ficha que postamos antes é exatamente essa. Vamos ver se conseguimos incorporar mais informações a ela. Abraços

  • Bruno Jucá Says

    Parabéns pelo projeto e por este texto. Está muito bem escrito e dá visibilidade a um assunto importantíssimo que é a falta de investimentos público na conservação e divulgação da história do Brasil.

    • 4x1
      4x1 Says

      Muito obrigado, Bruno! Ficamos muito indignados com esta situação na Serra da Capivara. O Brasil tem muito a evoluir nesse sentido.

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