Traducción / Translation


Acompanhe aqui os relatos, dicas, fotos e vídeos da Expedição 4x1 Retratos das Américas!



Spot

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Onde os ‘Marines’ Não Tem Vez

Ficha 4×1

Data: 02/02/2013 à 04/02/2013

Saímos de: Choluteca – Honduras

Distância total: Aproximadamente 170 km

Onde dormimos: Hostel León Imperial.

Pneu Cheio: León ainda emana o ar de uma cidade que lutou por sua liberdade ao longo de décadas. Sem sombra de dúvidas a visita ao Museo Histórica de La Revolución guiada por um ex-guerrilheiro mexeu muito com a gente.

Destino final: León – Nicarágua

Tempo de viagem: Pouco mais de 4 horas, pois nesse dia tivemos que passar em fronteira – que foi até tranquila.

O que comemos de bom: A comida da Nicarágua é uma das que mais se assemelha com a nossa culinária. O restaurante Al Carbon serve uma carne deliciosa. O El Desayunaso serve um reforçado café da manhã com sucos típicos!

Pneu murcho: Difícil apontar um. Talvez o fato da praça central estar em reforma: é algo bom para a cidade, mas não pudemos aproveitá-la em sua plenitude.

Trajeto: Saímos de Choluteca pela CA-3 fazendo fronteira em Guasaule. E de lá seguimos pela mesma estrada até Leon.

Em 1912, o presidente (dos EUA) William H. Taft afirmava: “Não está longe o dia em que três bandeiras de barras e estrelas vão assinalar em três pontos equidistantes a extensão de nosso território: uma no Polo Norte, outra no canal do Panamá e a terceira no Polo Sul. Todo o hemisfério, de fato, será nosso, como já é nosso moralmente em virtude de nossa superioridade racial.” […] as empresas (estadunidenses) se apoderavam das terras, alfândegas, tesouros e governos; os ‘marines’ desembarcavam em todas as partes (na América Central) para proteger a vida e os interesses dos cidadãos norte-americanos. […] A epopeia de Augusto César Sandino comovia o mundo. A longa luta […] derivava de reivindicações  de terra e mantinha acesa a ira campesina […] Com a música de Adelita, os guerrilheiros cantavam: Na Nicarágua, senhores, é o rato que pega o gato. (GALEANO, Eduardo – As veias abertas da América Latina. p. 156 a 160. L&PM, 2011 – tradução de ‘Las venas abiertas de América Latina’, de 1978. )

Tanajura aguardando liberação dos documentos na Fronteira de Guasaule entre Honduras e Nicaragua

Tanajura aguardando liberação dos documentos na Fronteira de Guasaule entre Honduras e Nicaragua

Como em quase todas as viagens que alguém faz por diversos países, em nosso regresso ao Brasil, fomos costumeiramente abordados com a seguinte pergunta: “Qual o lugar (ou país) que vocês mais gostaram?”. Difícil, né?! Imaginem então chegar ao consenso de um só lugar quando a experiência foi vivida durante 13 meses e por 5 pessoas! Alguns insistem: “Ah, mas e se fizerem um Top 3?! Top 5?!” Ok! Se abrirmos um pouco mais o leque e ponderarmos diversas variáveis, desde beleza natural atípica para nós brasileiros, passando pelo custo do país, receptividade da população, até o aprendizado genuíno de sua história e cultura, conseguimos montar uma listinha de 5 a 10 lugares. E apesar de nessa lista entrar como número 1 (de forma quase unânime) o Alasca, o lugar que mais impressiona as pessoas por estar no topo dessa lista é a Nicarágua! Por quê?! Bom, para contar um pouco do que sentimos ali, precisamos primeiro traçar um contexto histórico do país…

 Vamos voltar então, ao final do século XIX, por volta do ano de 1848

O lago Nicarágua é o maior lago da estreita América Central e o segundo maior da América Latina, perdendo apenas para o famoso ‘Titicaca’ (na Bolívia). Em 1848, 10 anos após a total independência da Nicarágua – que ocorreu em 1838 (reparem que foi somente 16 anos após a nossa) – o Reino Unido e, principalmente, os EUA viraram seus olhos para o país. E, esse último, nunca mais tirou. O interesse das superpotências eram construir um canal interoceânico na América Central. Naquela altura, o grandioso lago nicaraguense, que combinado a seus rios anexos, praticamente conectava o Pacífico ao Atlântico, parecia o lugar perfeito para a construção do tal canal!

Lago Nicarágua

Ao centro, com uma marcação vermelha, o grandioso Lago Nicarágua!

No entanto, nesse período duas importantes cidades Nicaraguenses (atualmente dois dos principais pontos turísticos do país) viviam em constante conflito: de um lado León, capital dos Liberais; e do outro, Granada, sede dos Conservadores. Numa tentativa de pacificar suas diferenças, as cidades chegam a um acordo e, em 1852, transformam Manágua (equidistante das duas) na capital do país. ‘Final feliz para ambas né?’ Não é bem assim! O que Granada e León não sabiam é que nem uma, nem outra, eram seus principais rivais pelo controle da Nicarágua. O principal adversário chamava-se EUA. E a grande águia resolve colocar suas garras de vez no país, a partir de 1893.

A bandeira nicaraguense sobressai em meio às inúmeras propagandas na entrada de Manágua

A bandeira nicaraguense sobressai em meio às inúmeras propagandas na entrada de Manágua – Nicarágua

Após 30 anos de predomínio dos conservadores (apoiados por EUA e Reino Unido que controlavam diversas regiões e instituições no país) e instabilidade política (com inclusive um episódio curioso do mercenário aventureiro estadunidense, Willian Walker, que se aproveitou de uma batalha entre León e Granada para proclamar-se presidente do país) os liberais tomam o poder, em 1893, por meio do general José Santos Zelaya. De pulso firme, Zelaya aprova uma nova constituição – moderna e nacionalista – instaura medidas ditatoriais e estreita relações com Alemanha e Japão, no objetivo de estabelecer uma parceria para a construção de um canal no país.

Tsc tsc tsc… os EUA não iam deixar assim barato… Incomodados com as perdas financeiras no país os EUA decidem construir seu almejado canal no Panamá. E, para garantir que não tivessem uma eventual concorrência a esse canal, o tio Sam decide intervir na Nicarágua e impedir os planos de Zelaya. Os ‘gringos’, como são conhecidos os cidadãos estadunidenses na América Central, passam a apoiar o retorno dos conservadores ao poder através do envio de ‘marines’ na região. Consequência: em 1907 Zelaya é derrubado do poder! E assim, nas próximas duas décadas os EUA passam a enviar constantemente os ‘marines’ para colocar e destituir presidentes; assumem o controle da alfândega, das ferrovias e do banco central do país. (CURIOSIDADE: a influência dos ‘gringos’ foi tão grande na Nicarágua – e na América Central – que o Beisebol é o esporte número 1 no país!).

Mas os liberais nicaraguenses não aceitam tamanha intervenção no país! E aí é que surge o grande líder – que viraria um dos maiores ícones, não só da Nicarágua, mas dos levantes mundiais contra a opressão das superpotências: César Augusto Sandino! Como? Líderes do partido Liberal decidem lançar-se guerrilha, por volta de 1926. Entre eles destaca-se a figura de César Augusto Sandino. Após inúmeros acordos, eleições presidenciais e a retirada das tropas americanas do país (quando eles garantiram o bom treinamento da Guarda Nacional ao longo de quase 10 anos), Sandino depôs as armas e aceita um convite de jantar do então presidente, e ex-general da Guarda Nacional, Anastasio Somoza que propunha um plano de desarmamento. Sandino cai numa emboscada de Somoza e é assassinado em 1934 no caminho do jantar, abrindo caminho para os piores anos de ditadura e desvio de verbas no país. A Nicarágua cai numa profunda ditadura de mais de 45 anos pelo controle da família Somoza. Apoiada pelos EUA, Somoza – e a Nicarágua – tornaram-se um reduto político dos EUA para a derrubada de líderes na Guatemala e em Cuba.

Somente em 1979 (34 anos atrás) os liberais voltam ao poder em um país arrasado financeiramente. “Brota” ajuda internacional sobre uma Nicarágua arrasada economicamente. Mas também surge o período da Guerra Fria e sob o pretexto do comunismo (aham!) o presidente Ronald Reagan instaura um embargo à Nicarágua e apoia uma absurda investida militar contrarrevolucionária conhecida como Contras numa tentativa de voltar a dominar o poder no país (além de instituir um embargo em 1985) Bom, não precisamos nem mencionar que isso levou a uma série de novos conflitos e ações de guerrilha no país. Os Contras, financiados pelos EUA, somente entregaram suas armas em 1990!!! período em que os EUA também decidiram retirar o embargo ao país.

E, hoje, aos poucos, a Nicarágua tenta recuperar-se economicamente. Nos primeiros anos de governo do partido Sandinista – quando o país tentava recuperar-se do terrível período de governo dos Somoza – houve redistribuição de terras agricultáveis para cooperativas locais, redução do analfabetismo de 50% para 13%, eliminação da poliomielite e redução da mortalidade infantil em 1 terço.

É! A Nicarágua é um país geograficamente tão pequeno, mas com uma história tão intensa! E o orgulho pela “vitória” conquistada ao diminuir a massiva intervenção dos EUA no controle do país ainda é muito recente no coração do sofrido povo Nicaraguense e vai à contramão da realidade do resto dos países da América Central. Tanto é que em 2011 o presidente Daniel Ortega disse que iria abrir um novo processo contra os EUA na Corte Internacional em Haia (Holanda) com relação a um processo de indenização da década de 80, onde os EUA foram intimados a pagar a cifra de US$17 bilhões – e que até hoje se negam a pagar!!!

Muitos dos que estão lendo esse post podem pensar se isso tudo não é um pouco abstrato, ou distante da realidade de um viajante. Afinal, todos os países possuem sua história, orgulhos e sentimentos de valorização nacional. No entanto, León, na Nicarágua, é uma cidade realmente diferente. Apesar do forte turismo internacional, o reduto dos liberais nicaraguenses ainda possui seu “fervor” revolucionário. E isso nos ficou claro quando dávamos nossa primeira volta pela cidade – ainda sem muito saber da história do país. Logo na primeira hora nos deparamos com alguns meninos jogando basquete e andando de skate numa quadra perto do centro da cidade. Um imenso e lindo mural em uma das paredes laterais da quadra dizia: “Por la libertad hemos luchado y hoy juramos defenderla” (Pela liberdade nós lutamos e hoje juramos defendê-la). E aquele mural não era solitário não! Outros murais, imagens e menções – e até um museu – àqueles que lutaram pela soberania do país eram vistos ao longo de León.

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O belo mural nos anunciava que entrávamos em uma cidade que ainda se orgulha da liberdade conquistada em um passado nada distante. (León, Nicarágua)

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Menino observa de perto o mural de León, Nicarágua

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A quadra na praça central tem murais e frases de impacto por todos os lados. A quadra está sempre movimentada pelos jovens da cidade – em León, Nicarágua.

Na parte oeste da cidade, um prédio muito velho que costumava ser o Palácio das Comunicações na época do ditador Somoza, fora no passado mais recente a última “fortaleza” da resistência Sandinista. Hoje ele abriga o simples, porém apaixonante, ‘Museo Historico de La Revolución’ mantido pela Associção dos Combatentes Históricos ‘Heroes de Veracruz’.  Furos de balas nas paredes (internas e externas); artefatos idênticos aos usados pelos combatentes guerrilheiros; fotos e murais recontando a brava história de Sandino e seus aliados; e a condução da visita ao museu feita por um próprio ex-guerrilheiro!! davam o ‘ar’ mais que perfeito para sentir-se dentro da história viva da Nicarágua! O simpático senhor Willian gostou tanto da gente que fez questão de nos levar a um dos lugares favoritos dos revolucionários dentro do prédio: o telhado. Apesar do teto velho e meio solto, o senhor Willian nos garantiu que era seguro. De lá avistamos ao longe alguns dos vulcões nicaraguenses que é uma das principais belezas naturais do país (que contaremos detalhadamente em posts posteriores) e presenciamos o lindo por do sol no quente final de tarde ouvindo histórias vividas por Willian.

Caminhar por León é muito agradável! A pacata cidade é muito limpa, ruas amplas e está muito bem conservada. Sua praça principal está em reforma e nela está assentada a grandiosa basílica barroca Catedral de la Asunción de León. O ponto alto da visita é poder caminhar pelo teto da basílica! (é, podemos dizer que conhecemos bem León do alto! hehehe). Não muito longe dali fica o muito divertido Museo de Leyendas y Tradiciones (Museu de Lendas e Tradições) que conta ícones e lendas nicaraguenses que são transmitidas ao longo de gerações.

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A belíssima basílica de León – Nicarágua

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A charmosa pracinha com acesso restrito passa por reforma – em León, Nicarágua

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Bruno caminha numa rua típica da cidade de León, Nicarágua

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Final de tarde pacato e mais murais ao fundo de uma das praças de León, Nicarágua

E o mais interessante de tudo isso é que os valores culturais esse sentimento revolucionário, questionador, de liberdade e o desejo de mudar sem a influência das superpotências (num sentido “entreguista”, como muitos outros países latinos) ainda é muito presente no povo nicaraguense – isso não quer dizer necessariamente que eles neguem o capital do investimento externo, mas que simplesmente querem preservar suas tradições e soberania.

No passeio que fizemos na belíssima ilha de Ometepe (próximos posts) conhecemos duas pessoas que muito nos tocaram. Com apenas 20 anos, o jovem Omar nos guiou na subida do vulcão Concepción. Estudante de arquitetura por ensino a distância, Omar realiza trilhas como forma de complementação da renda familiar. No caminho, nos contava orgulhoso a história recente de seu país, as vitórias alcançadas ao expulsar os ‘gringos’ e sobre os recentes investimentos do governo em educação e no empreendedorismo, como forma de aumentar a competitividade do país. Curioso é que, ainda antes de subirmos o vulcão com Omar, o senhor Ramón – reformado combatente do exercito liberal – profetizava dentro da Tanajura com os olhos marejados: “Muitos falam mal, mas eu acredito na juventude de hoje. Os jovens hoje possuem maior liberdade e oportunidades para transformarem o país”. Ele dizia acreditar que “a energia interior de um jovem, sua alegria e seu espírito transformador seriam capazes de transformar a atual situação social e econômica do país.” Coisa que parecia impossível em seu tempo.

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O sr. Ramon que nos mostrou sua visão sobre os jovens e o futuro da Nicarágua

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O jovem guia Omar que durante a trilha nos contava com paixão a história da Nicarágua e nos dava sua opinião sobre a atual realidade do país.

Quanto a nós, nos sentimos cativados pelo carisma dos Nicaraguenses. E podemos até arriscar com um ar de ‘torcedor’ que, se todos os jovens nicaraguenses tiverem o mesmo espírito de seriedade do Omar, a energia das palavras do sr. Ramón ou a determinação de outros nicaraguenses que conhecemos enquanto estivemos ali, podemos ter certeza de que o país está no caminho certo!

Saímos de León com direção ao nosso próximo destino: Masaya e seu vulcão ativo com lava! E no caminho já éramos aguçados por outros vulcões que víamos ao longo da estrada. Mas antes resolvemos dar uma passada em Manágua para termos uma ideia da cidade.

Vulcão é visto ao horizonte de dentro da Tanajura no caminho à Masaya - Nicarágua

Vulcão é visto ao horizonte de dentro da Tanajura no caminho à Masaya – Nicarágua

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A capital nicaraguense conta com aproximadamente 2 milhões de habitantes e é a maior cidade do país. Havíamos pesquisado um pouco sobre a cidade mas nenhum atrativo em especial nos chamou a atenção então passamos pouco mais de 30min dando um giro próximo ao lago de Manágua e partimos… A ansiedade em ver um vulcão ativo com lava era grande, aguardávamos desde a Guatemala! Mas mal sabíamos que teríamos um pequeno empecilho até o tão esperado encontro … :)

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Uma das estruturas da empresa do famoso rum nicaraguense Flor de Caña, na entrada de Manágua – Nicarágua

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